Foto e Grafia

Juridiquês, marketês ou o quê?

Quando se está querendo contar pequenas histórias, qualquer conversinha inocente pode se transformar em tema para um artigo, desde que provoque um clique na sua cabeça.

A partir daí, você se torna um ouvido apurado, curioso e intrometido na conversa alheia. Seria falta de educação se não acabasse se convertendo em arte, por assim dizer. Para todo comportamento degradante há sempre uma boa justificativa.

Numa dessas esticadas de orelha, pude escutar alguém ao telefone durante uma de minhas raras e temidas visitas ao banco não virtual. Era o gerente-geral discutindo com outro funcionário da instituição financeira sobre o resultado de um balancete. De repente, o bambambã, em indisfarçável estado de tensão,  pergunta com veemência:

 

– Se não deu certo, como é que a gente resolve isso?

Pigarreou e insistiu, mais formal e empoladamente:

– Quero saber qual vai ser a ação tática de resolução?

Falou bonito, não é mesmo? Tomara que o boneco que estava do outro lado da linha tenha entendido bem para dar uma resposta à altura. Ou então, é ficar sem crachá e ir para o olho da rua… ou via pública de circulação de transeuntes e veículos terrestres. Fica ao gosto do freguês.

Já em restaurantes a quilo no centro da cidade nem é preciso inclinar a caixa craniana para tentar se imiscuir num diálogo qualquer. Todo mundo fala alto e alguns durante o processo de mastigação. Esses apenas emitem grunhidos ininteligíveis compondo um quadro de perder o apetite. Mas geralmente é menos doloroso pescar ideias.

Como é um bairro em que se encontram tribunais federais e estaduais, há muitos advogados na hora do almoço, por conta da respectiva concentração de escritórios e empresas de consultoria na área.

Costumam surgir máximas como:

– Deflagre logo o processo, pois resta óbvio que a pretensão dele logrará êxito e a prescrição é uma ameaça.

Um desavisado pensa logo que pode viver sem um médico, mas jamais sem um causídico. Ao menos para traduzir essas mensagens cifradas, beirando genuínos filmes de espionagem.

Ou ainda:

– Eu avisei que o juiz era incompetente, mas ele insistiu em ajuizar a demanda em São Gonçalo. Deu no que deu: declinou. Agora o cliente quer substabelecer sem reservas. É mole?

Não, não é mole. Ainda mais para o leigo que está perplexo imaginando como aquele sujeito ousara falar com tamanho desrespeito da autoridade judiciária. Deveria ser crime.

Isso me faz lembrar a história do juiz que decidiu proferir a sentença em audiência, atento aos princípios da celeridade e efetividade do processo, lendo-a ao final do ato, de forma pausada e efusiva, para suposta satisfação da parte autora, que estava tendo conhecimento da procedência do seu pedido em tempo real.

Após tanta dedicação, buscou nos olhos da vencedora do litígio a alegria de quem acaba de receber uma boa notícia. Em vez disso, a senhora se vira para seu advogado, com ar confuso, franze a testa e pergunta: e aí, ganhamos ou perdemos?

Sei que termos técnicos fazem parte da vida de todos os profissionais. Falar desse modo com colegas ou membros de outras carreiras afins não merece críticas. Porém, os meros mortais se sentem perdidos no meio do palavrório e tal sensação pode até espantar a clientela.

No mesmo estabelecimento de comércio de alimentos, aqui adotando o jeito juridiquês de falar, tive a oportunidade de ouvir um homem declarando como uma verdade absoluta, após inflar o peito:

– O negócio é pensar fora da caixa.

A-hã.

Alguém me disse que é linguagem de marketing. Bom para eles.

Que saudade do democrático e velho português!

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